A Fauna das Portas de Ródão
Excerto de: Proposta de Classificação das Portas de Ródão
A existência e a manutenção de um mosaico paisagístico diversificado, resultante dos diferentes usos do solo, constituem um factor essencial e decisivo para a manutenção dos níveis de biodiversidade. Nos olivais, matagais, zonas com vegetação herbácea, áreas florestais e escarpas rochosas verifica-se a presença de um número assinalável e diversificado de espécies animais. Esta evidência coincide com a concentração dos diferentes habitats num espaço restrito, que não ultrapassa os 1500 hectares, o que justifica, de uma forma mais efectiva, a importância e a pertinência desta proposta de classificação.
Os vales mais encaixados, com formações vegetais densas e de grande diversidade e as escarpas de difícil acesso constituem o habitat preferencial para um importante número de espécies, não só de rapinas como também de outra avifauna e de mamíferos. É nestes locais que os matagais de características mediterrânicas se encontram melhor representados e em melhor estado de desenvolvimento.
Os locais próximos da água, constituídos maioritariamente por bosquetes arbóreos, constituem igualmente habitats importantes. Existe ainda um pequeno caniçal, junto da Fonte das Virtudes, habitat muito raro na região. Entre estes habitats e os descritos anteriormente verifica-se um relacionamento evidente (DGDR, 2002).
Vertebrados
Na área em estudo, mesmo considerando a sua reduzida extensão, ocorrem um número razoavelmente elevado de espécies de vertebrados, as quais se distribuem da seguinte forma:
Aves |
119 |
Mamíferos |
20 |
Peixes de água-doce |
10 |
Anfíbios |
10 |
Répteis |
12 |
O número de espécies identificadas resultou, no caso da avifauna, da realização de inventários que foram sendo actualizados com carácter sistemático, desde os finais dos anos de 1980 até ao momento actual.
No caso das restantes espécies o seu apuramento e inventariação resultou da consulta de estudos realizados na região, das informações recolhidas junto de técnicos, especialmente do ICN, que aqui têm desenvolvido trabalhos de caracterização, noutras áreas, e que efectuaram as observações e os registos de algumas das espécies referenciadas. Algumas das espécies foram também alvo de observação directa no decurso dos trabalhos de campo desenvolvidos para a presente proposta de classificação e que em algumas das situações foram documentadas fotograficamente.
Avifauna
O interesse ornitológico das Portas de Ródão e da sua área circundante pode considerar-se bastante importante. Destacam-se sobretudo as comunidades de aves rupícolas existentes, não apenas nas Portas de Ródão, mas igualmente nos afloramentos que se estendem ao longo da Serra das Talhadas, que levaram à classificação dessa área como Zona Importante para as Aves (IBA PT037 – Portas de Ródão e Vale Mourão; (Costa et al., 2003).
Várias espécies de aves de rapina diurnas frequentam regularmente a área destacando-se a ocorrência do Milhafre-preto, do Gavião, da Águia-calçada, da Águia-cobreira, ou do Ógea, entre outras.
Verdadeiramente importantes constituem as comunidades de aves rupícolas que engloba, entre outras, espécies como a Cegonha-preta, o Grifo, a Águia-de-Bonelli, o Bufo-real, a Andorinha-das-rochas ou o Melro-azul. A colónia de Grifos é particularmente importante constituindo, na actualidade, a maior existente no território português.
A região, pelas suas características ao nível do relevo, da existência de maciços rochosos, da vegetação e do uso do solo e da existência de importantes cursos de água, constitui um local que proporciona as condições adequadas para a presença de uma grande diversidade de variedade de espécies de aves. A existência de zonas de olival e de matos proporciona condições ideais para constituir um local ideal de invernada para um grande número de passeiriformes, de várias espécies. No caniçal existente no local nidificam algumas espécies típicas desse habitat, muito escasso na região, bem como é utilizado como dormitório por outras espécies.
Espécies de aves identificadas
Até ao momento, e em resultado de um estudo sistemático da zona a classificar, foram observadas na área um total de 119 espécies de aves, um elevado número delas com um estatuto de conservação desfavorável em Portugal e na Europa. Em termos nacionais destaca-se a ocorrência de 15 espécies consideradas ameaçadas (sob diferentes estatutos), no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, (ICN in prep.) e nas quais se destacam:
Importância da área para a Conservação
As condições privilegiadas apresentadas por este território, para a avifauna, atribuem a esta proposta de classificação uma pertinência que justificaria, per si, a adopção de medidas de protecção e conservação dos habitas existentes.
Esta percepção é tida igualmente pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) instituição que, consciente da importância ornitológica da área, em especial da crista quartzítica que se prolonga pelos concelhos de Nisa, Vila Velha de Ródão e Proença-a-Nova e constitui um dos eixos da área em estudo, e pelo facto desta zona não usufruir de nenhuma figura de protecção legal, constituiu para a zona uma Zona Importante para as Aves (IBA- Important Bird Area), com a designação “Portas de Ródão e Vale Mourão” - IBA PT037.
Esta importância motivou igualmente a emissão, por parte da SPEA, de um parecer, que se junta em anexo, manifestando o seu apoio à Candidatura das Portas de Ródão a Monumento Natural.
Com esta proposta de classificação pretende-se preservar os habitats favoráveis à avifauna, dando especial ênfase aos locais de nidificação das espécies rupícolas que se localizam nas escarpas das Portas de Ródão. Estes locais concentram-se na Zona I, considerada a de maior sensibilidade e para a qual se defende a adopção de especiais medidas de protecção.
Nesta área verifica-se a ocorrência de alguns focos de perturbação provocada por passeios turísticos motorizados e por actividades florestais. Também o sobrevoo da zona das Portas de Ródão por aeronaves da Força Aérea Portuguesa foi a causa de morte de algumas crias de Grifo em anos recentes. Igualmente o uso ilegal de venenos, para controlo de predadores, parece ter sido a causa de morte de alguns Grifos nos últimos anos. Os incêndios, frequentes nesta região, e a substituição das áreas de vegetação natural e áreas de cultivo tradicional (hortas, pomares, olivais) por silvicultura intensiva têm contribuído consideravelmente para a degradação do habitat, tal como a proliferação de caminhos florestais que, nos últimos anos, se têm estendido inclusivamente às zonas escarpadas. Recentemente (em 2001/2002) realizaram-se obras de fixação da rede ferroviária que implicaram destruição de ninhos e a perturbação intensa da colónia de grifos e dos casais da Águia-de-Bonelli e Bufo-real existentes nas Portas de Ródão, tendo comprometido seriamente essa época de nidificação (Costa et al., 2003).
Mamíferos
Enquanto que os estudos da avifauna e da flora foram baseados em trabalhos de inventariação sistemática, o estudo deste grupo de vertebrados não foi possível ser realizado dentro dos parâmetros seguidos para os anteriores, por não ter havido disponibilidade de técnicos para a realização do correspondente trabalho, dentro do espaço temporal definido para a apresentação desta proposta de classificação. Assim esse estudo, naturalmente necessário, será efectuado numa etapa posterior.
De qualquer forma esta proposta de classificação contém alguns dados, apresentados no quadro seguinte, que resultam de estudos anteriormente efectuados, por nós consultados (Quercus, s/data, ob. cit.) e de trabalhos de campo realizados, nos últimos meses (dados próprios, Carlos Pacheco, com pess.) e outras fontes. Estas referências permitiram a recolha de informações objectivas sobre algumas das espécies existentes e cuja listagem é aqui apresentada.
Relativamente a essa informação, transposta para o quadro 5, na área em estudo salientamos a identificação, na Buraca da Faiopa, de um exemplar de morcego-grande-de-ferradura, (Rhinolophus ferrumequinum). Esta abertura, antiga zona de mineração, situada na crista quartzítica, na margem sul do Tejo, contém galerias, hoje parcialmente obstruídas, que podem constituir um elevado potencial para albergar colónias desta e de outras espécies de morcegos.
Por outro lado é relevante salientar que a diversidade de espécies que frequentam a área é relativamente elevada, tendo em conta a sua reduzida dimensão.
Espécies de mamíferos identificados
Espécies |
Critérios |
Final (Livro vermelho)* |
Genetta genetta Geneta |
|
LC |
Sus scrofa Javali |
|
LC |
Lutra lutra Lontra |
|
LC |
Herpestes ichneumon Sacarrabos |
|
LC |
Meles meles Texugo |
|
LC |
Erinaceus europaeus Ouriço-cacheiro |
|
LC |
Cervus elaphus Veado |
|
LC |
Mustela nivalis Doninha |
|
LC |
Oryctolagus cuniculus Coelho-bravo |
A2b+3de+4cde |
NT |
Lepus granatensis Lebre |
|
LC |
Vulpes vulpes Raposa |
|
LC |
Martes foina Fuinha |
|
LC |
Mustela putorius Toirão |
|
DD |
Rhinolophus ferrumequinum Morcego-de-ferradura-grande |
|
VU |
Tadarida teniotis Morcego rabudo |
|
DD |
Crossidura russula Musaranho-de-dentes-brancos |
|
LC |
Suncus etruscus Musaranho-anão-de-dentes-brancos |
|
LC |
Apodemus sylvaticus Rato-do-campo |
|
LC |
Mus spretus Rato-das-hortas |
|
LC |
Talpa occidentalis Toupeira |
|
LC |
* Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal – ICN in prep.
Ictiofauna
Tendo por base um estudo efectuado num conjunto de albufeiras, por Hugo Diogo, (Diogo, ob. cit. 2000) foi-nos possível caracterizar a situação das espécies piscícolas existentes na área da albufeira da barragem de Fratel e nos cursos de água localizados na área em estudo e que desaguam nessa albufeira.
O principal curso de água que atravessa a região é o rio Tejo. Este rio, outrora correndo livre até ao mar apresentava uma realidade ecológica diferente daquela que hoje existe. Algumas das espécies migratórias, antes comuns na região, caso da lampreia, do sável, do muge e da enguia, encontram-se totalmente desaparecidas devido às barragens construídas ao longo do curso do rio. Outras espécies como a carpa e o achigã foram entretanto introduzidas. Estas modificações constituem hoje a realidade que temos presente e que nos importa caracterizar.
As albufeiras fazem parte integrante da paisagem e constituem ecossistemas onde espécies e comunidades se estabelecem com uma dinâmica própria. São possuidoras de recursos biológicos geradores de bens e serviços que importa gerir e fomentar. Constituindo sistemas muito vulneráveis, cujo equilíbrio ecológico depende da intervenção humana, as comunidades biológicas das albufeiras têm de ser encaradas numa perspectiva de artificialidade nas quais a gestão/intervenção humana desempenha um importante papel.
Numa classificação das albufeiras tendo por base as suas associações piscícolas, a de Fratel inclui-se na categoria C (associada a uma geologia de xisto e a um maior uso agrícola), juntamente com Idanha, Póvoa, Maranhão; Capinha, Marateca e Montargil. Estas apresentam associações piscícolas com a perca-sol sempre presente, nalguns casos a ultrapassar em mais de 80% o total das capturas. Presentes estão ainda a carpa, a boga, o achigã, o barbo e o góbio. No conjunto das barragens estudadas a de Fratel foi o único local onde se verificou a presença do peixe-rei. Outra espécie, o góbio apenas surgiu nesta barragem e na de castelo do Bode.
Nas albufeiras foram capturadas espécies nativas mas também espécies exóticas, no caso da perca-sol, uma das espécies com maior representatividade. Esta espécie, juntamente com o achigã e o góbio, é menos frequente nos sistemas fluviais da bacia do Tejo o que mostra a importância das albufeiras para o seu estabelecimento no nosso país.
Referimos ainda algumas notas relativas a espécies sobre as quais os pescadores locais referem ainda encontrar-se na área. É o caso da enguia que aparece em épocas de cheia e o lúcio ao qual associam a destruição de algumas redes. Se relativamente a esta última espécie não possível confirmar a sua existência, relativamente à enguia ela foi capturada durante as últimas cheias que atingiram a região.
Espécies piscícolas existentes na albufeira de Fratel
Espécies |
Critérios |
Final (Livro vermelho)* |
Squalius pyrenaicus Escalo |
B1b(ii, iii, iv)c(iv)+2b(ii, iii, iv)c(iv) |
EN |
Squalius alburnoides Bordalo |
A2bce+3bce+4bce |
VU |
Chondrostoma polylepis Boga |
B1b(ii, iii, iv)c(iv)+2b(ii, iii, iv)c(iv) |
LC |
Barbus bocagei Barbo |
- |
LC |
Atherina boyeri Peixe-rei |
- |
DD |
Cobitis palúdica Verdemã |
- |
LC |
Cyprinus carpio** Carpa |
- |
- |
Gobio gobio** Góbio |
- |
- |
Lepomis gibbosus** Perca-sol |
- |
- |
Micropterus salmoides** Achigã |
- |
- |
* Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal – ICN in prep.
** Espécie introduzida
Herpetofauna
De um modo idêntico ao que se passou no caso dos mamíferos, não foi possível realizar o estudo deste grupo de vertebrados dentro dos parâmetros seguidos para a avifauna, por não ter havido disponibilidade de técnicos para a realização do correspondente trabalho sistemático, dentro do espaço temporal definido para a apresentação desta proposta. No entanto, os dados recolhidos pelos técnicos envolvidos no estudo de outros grupos faunísticos e pelo apresentante da proposta, permitiram elaborar uma lista de espécies que se deverá aproximar da realidade existente.
No grupo dos répteis, salienta-se a presença de uma população de cágado-de-carapaça-estriada, espécie muito rara na região e com tendência de declínio em Portugal, onde está classificada como “Em perigo” de acordo com o Livro Vermelho dos Vertebrados, actualmente em preparação. Relevante também é a presença da cobra-de-pernas-pentadáctila e do fura-pastos, cujos limites de distribuição se situam próximos desta área.
Répteis
Espécies |
Critérios |
Final (Livro vermelho)* |
Emys orbicularis Cágado de carapaça estriada |
B2ab(ii,iii,v) |
EN |
Mauremys leprosa Cágado mediterrânico |
- |
LC |
Chalcides bedriagai Cobra-de-pernas-pentadáctila |
- |
LC |
Chalcides striatus Fura-pastos |
- |
LC |
Elaphe scalaris Cobra-de-escada |
- |
LC |
Malpolon monspessulanus Cobra-rateira |
- |
LC |
Coluber hippocrepis Cobra de ferradura |
- |
LC |
Natrix maura Cobra de água viperina |
- |
LC |
Natrix natrix Cobra de água de colar |
- |
LC |
Lacerta lepida Lagarto |
- |
LC |
Psammodromus algirus Lagartixa do mato |
- |
LC |
Tarentola mauritanica Osga |
- |
LC |
* Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal – ICN in prep.
Relativamente ao grupo dos anfíbios, há a destacar a presença da Rã-de-focinho-ponteagudo, e a elevada abundância de relas junto das linhas de água.
Anfíbios
Espécies |
Critérios |
Final (Livro vermelho) * |
Alytes cisternasii Sapo-parteiro-ibérico |
|
LC |
Bufo bufo Sapo comum |
|
LC |
Bufo calamita Sapo-corredor |
|
LC |
Pleurodeles walt Salamandra-de-costelas-salientes |
|
LC |
Salamandra salamandra Salamandra-de-pintas-amarelas |
|
LC |
Triturus marmoratus Tritão-marmorado |
|
LC |
Triturus boscai Tritão de ventre-laranja |
|
LC |
Discoglossus galganoi Rã-de-focinho-ponteagudo |
B2ab(ii, iii, iv, v) |
NT |
Rana perezi Rã verde |
|
LC |
Hyla meridionalis Rela-meridional |
|
LC |
* Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal – ICN in prep.