Escavação Arqueológica na Capela da Senhora da Graça (Lucriz)

O objetivo desta intervenção arqueológica, que se desenrolou na Capela da Senhora da Graça (Lucriz), foi confirmar a qualificação do aterro da capela como mamoa pré-histórica, no contexto dos estudos sobre megalitismo regional que têm vindo a ser executados no âmbito das atividades de investigação realizados pela Associação de Estudos do Alto Tejo.

O sítio arqueológico consiste num amplo aterro subcircular aplanado no topo e sobre o qual foi construído um templo, a chamada capela da Senhora da Graça, existindo uma referência à Igreja de Santa Maria, no Lucriz, em 1505, que possivelmente será a atual Capela da Senhora da Graça. Compreender o contexto construtivo desta capela, foi o objetivo para a intervenção arqueológica ali realizada - cuja primeira fase de escavações terminou sábado, dia 9 de outubro. A intervenção foi da responsabilidade da Associação de Estudos do Alto Tejo (AEAT), com os apoios do Município de Vila Velha de Ródão, da Junta de Freguesia de Vila Velha de Ródão, da Companhia do Lucriz e da empresa de arqueologia Emérita.

Os arqueólogos responsáveis pelo projeto acreditam que a capela tem data, provavelmente, anterior ao século XVI, mas terá sido edificada sobre uma mamoa pré-histórica. Na hipótese de o montículo que serve de base à capela ser uma pré-existência pré-histórica, teria sido aplanado para servir de base àquela construção moderna conferindo-lhe proeminência em relação à planície aluvial. Na herdade do Lucriz, “encontramos um aterro, não bem circular, talvez devido à lavoura, que vai produzindo alterações da morfologia do terreno, mas é possível haver aqui uma mamoa consideravelmente grande em argila”, diz João Caninas, um dos arqueólogos responsáveis pela escavação, colocando a hipótese de, no início do século XVI, em 1505, que este aterro não tenha sido feito de propósito para servir de base a uma capela, “mas ter resultado do arrasamento parcial de uma pré-existência pré-histórica, uma mamoa, para aumentar e criar um terrapleno, eventualmente para criar uma primeira capelinha, correspondente ao altar-mor. Pode até ser um templo da época muçulmana, muito comum no sul”.

João Caninas ressalva que em Portugal há muitos exemplos de câmaras funerárias, antas, transformadas em capelas, ou antas incorporadas em capelas-mor de igreja com naves, mas “o que não é comum é uma capela ser construída em cima de uma mamoa e essa é uma hipótese que ainda não está aqui descartada”. A hipótese de se tratar de mamoa pré-histórica carece de confirmação mediante a execução de sondagens arqueológicas tanto no exterior - para identificação de indícios estruturais compatíveis com aquela qualificação - como no interior da Capela - para identificação de câmara. Essa possibilidade também é reforçada contextualmente pela presença de duas outras mamoas nesta mesma área no Olival dos Morouços e do que poderá ser o fragmento de um menir de granito com covinhas.

Esta opinião coincide com a de Anabela Joaquinito, a arqueóloga coordena a equipa no terreno. “O objetivo é escavar duas sanjas, uma a oeste e uma a sul, pela qual começamos, ou seja, escavar uma vala com um metro e meio de largura e cerca de 12 metros de comprimento que originalmente parte do interior da nave da igreja e termina no final do aterro”, refere.  Embora o objetivo esteja cumprido a 40 por cento, dada a minuciosidade que este trabalho requer, os resultados desta primeira intervenção “são interessantes”, apesar de ainda haver muito trabalho a fazer”. “Já conseguimos perceber qual é o tipo de argila que cobre esta estrutura, encontramos alguns materiais, uma estrutura que cobre a parte superficial deste montículo artificial, uma estrutura pétrea, e depois temos a parte da mamoa em si, que é a que estamos a verificar se corresponde, ou não, à intuição dos nossos colegas arqueólogos”, acrescenta. O material recolhido representa “uma larga cronologia, desde o paleolítico superior aos nossos dias. Apareceram materiais em sílex, lâminas, micro furadores, lascas, materiais das rochas locais, em quartzo e em grauvaque e alguma cerâmica manual, desde o neolítico. Foram ainda encontrados dois esqueletos parciais, de dois indivíduos, não se sabendo se estavam enterrados no exterior ou no interior da capela”. Pela dimensão dos ossos e de parte de um crânio encontrados, poderá tratar-se de uma criança.

Esta é a fase de levantamento destes vestígios, que antecede a fase para apurar e estudar os resultados. “Esta prospeção vai chegar ao interior da capela, pois o objetivo é verificarmos se houve alguma preservação da estrutura do monumento supostamente original, que seria a anta. A mamoa está a proteger a anta e o nosso objetivo é saber se esta couraça de argila está ainda a proteger parte da estrutura original, que está no interior, ou se a igreja a destruiu em parte. Mas há sempre maneira de perceber, há sempre vestígios, caso realmente tenha existido aqui uma estrutura funerária”. Na parede virada a leste, que corresponde às traseiras da capela, “há uma estrutura curiosa. São uns blocos alinhados de granito, que servem de base à capela, mas que podem ser de uma estrutura mais antiga e ter sido reaproveitados. Mas pensamos que sejam mais antigos que a própria nave da igreja”.

 

Nas próximas intervenções, o trabalho “vai ser continuado em profundidade, incluindo no interior da capela”. Para já, foram encontrados vestígios de “machados de pedra polida, alguma cerâmica pré-histórica, neocalcolítica e até indústria lítica. Há lâminas que são compatíveis com os enterramentos que teriam lugar no interior da sepultura que supomos terá aqui existido”.

O contacto com os locais permite perceber que a capela foi um local de culto de referência, importância que foi perdendo à medida que o trabalho agrícola foi diminuindo e a propriedade foi sendo abandonada. Apesar de parcialmente abandonada, existem locais que continuam a deslocar-se à capela, embora de forma muito esporádica – para visitar a Capela ou mesmo para cumprir com alguma promessa. Haverá “intenção de a reabilitar [a Capela] e a imagem da senhora da Graça voltar ao seu lugar”.